COMPREENSÃO CRISTÃ ORTODOXA SOBRE O USO DE SUBSTÂNCIAS E OUTROS TIPOS DE ABUSO
- Paróquia Axion Estin
- 4 de ago.
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O venerável ancião Tadeu de Vitovnica, monge sérvio do século XX, certa vez aconselhou uma pessoa perturbada por pensamentos após confessar-se e ouvir seu pai espiritual: “Você está travando uma guerra interior contra o seu guia, e o Senhor permite grandes tentações espirituais sobre você.” Poucos cenários ilustram tão bem essa realidade como os casos em que o confessor exorta um penitente a abandonar o uso da cannabis. A resistência a esse conselho é reveladora: o uso dessa substância é, por natureza, viciante, e a sua defesa, muitas vezes, uma justificativa do pecado. Como ensinou São Isaac, o Sírio: “A coroa das paixões é a justificação dos próprios pecados” (Prólogo de Ócrida, 3 de julho).
Com frequência, tenta-se comparar o uso da cannabis ao do vinho, que é abençoado pela própria Igreja. No entanto, ainda que o uso excessivo do vinho leve à embriaguez — um estado passageiro —, a cannabis provoca alterações cognitivas duradouras. Ela compromete a capacidade de concentração, o desempenho acadêmico e social, e, sobretudo, enfraquece a mente noética, dificultando a oração. E como alguém que busca crescer na vida espiritual pode esperar alcançar a oração contínua e a santidade se sua mente está entorpecida?
É profundamente preocupante o número de pessoas que sofrem de depressão e, ainda assim, recorrem à cannabis — um depressor ativo do sistema nervoso. Usar simultaneamente antidepressivos e cannabis é como tentar subir e descer ao mesmo tempo numa montanha-russa farmacológica. Isso exige não só acompanhamento médico e orientação espiritual, mas sobretudo uma decisão firme da pessoa em seguir conselhos sérios, com maturidade e disposição para a luta espiritual.
A cannabis também é conhecida como uma porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas. Embora nem todo usuário de cannabis avance nesse caminho, quase todos os dependentes de substâncias como cocaína ou heroína começaram por ela. Muitos tentam justificar seu uso alegando motivos médicos ou emocionais. Porém, essa “necessidade” é, por definição, uma forma de dependência — semelhante ao vício em álcool ou opiáceos — e carrega também um aspecto espiritual. A cannabis, assim como outros vícios, pode se tornar um paliativo para fugir da dor causada pelo pecado e pelo chamado ao arrependimento. Nessa condição, a alma permanece estagnada, espiritualmente imatura e afastada de Deus — muitas vezes envolta em raiva, isolamento e confusão.
Mesmo nos casos de dor física, a cannabis não é a melhor opção: existem alternativas mais eficazes, seguras e não viciantes. No entanto, a promoção da cannabis como um remédio “natural” pela cultura contemporânea ofuscou essas possibilidades, contribuindo para o aumento de dependentes.
Os Santos Padres nos alertam continuamente sobre os perigos da fantasia e da perda da sobriedade da mente. A fantasia, que é parte integrante do efeito da cannabis, é inimiga declarada da vida espiritual. Ao contrário do vinho, cujo efeito pode ser evitado ou controlado, a cannabis induz diretamente estados alterados de percepção — justamente aquilo que os Padres nos orientam a evitar. São João Cassiano, em Após a Queda, ensina que Deus velou nossos olhos espirituais para que não víssemos o mundo invisível — pois este nos esmagaria em nosso estado caído. Tentar, por meio de drogas ou manipulações, penetrar esse véu é perigoso e contrário à espiritualidade ortodoxa.
Por que, então, um cristão ortodoxo desejaria trilhar esse caminho? O uso da cannabis destrói a vida de oração, enfraquece a mente e afasta da sobriedade interior exigida para qualquer caminhada cristã autêntica. Seus efeitos nocivos são incomparáveis aos do tabaco ou do álcool e se manifestam inclusive em doenças psiquiátricas como depressão e esquizofrenia.
À medida que a sociedade ocidental tem adotado uma postura mais permissiva em relação à cannabis, até mesmo alguns padres esquecem o ensino perene da Igreja sobre a vigilância espiritual e a pureza do coração. É ilusão pensar que alguém pode se aproximar da Ortodoxia ou crescer na fé enquanto está imerso no uso dessa substância que promove fantasia, entorpecimento e confusão espiritual. Seja um catecúmeno ou um cristão ortodoxo batizado, quem deseja seguir a Cristo deve submeter-se com confiança à sabedoria da Igreja e renunciar aquilo que impede a sobriedade e a comunhão com Deus.
O uso de substâncias químicas e o alcoolismo são doenças graves, que exigem tratamento médico, psicológico e espiritual. Mas o vício não se limita a drogas ou álcool: há também dependência de comida, sexo, jogos, compras, poder e até relacionamentos — todas manifestações de uma alma ferida tentando escapar da dor.
Essas atitudes muitas vezes nascem de um vazio espiritual ou de traumas não resolvidos. O dependente busca anestesiar a dor da alma, mas apenas se afunda mais. Em alguns casos, a dependência se desenvolve de forma sutil, quase imperceptível. Em outros, a predisposição genética acelera o processo. Mas, independentemente da origem, o ambiente familiar e social influencia profundamente.
O vício é uma doença de toda a família. Papéis disfuncionais se estabelecem, gerando culpa, projeções e mágoas que se arrastam por gerações. Mesmo quando a sobriedade é conquistada, o processo de cura pode levar décadas. É por isso que falamos da recuperação como um caminho espiritual — um êxodo interior de todo um povo que vive em torno do sofrimento do viciado.
Além disso, o vício frequentemente se associa a comportamentos violentos — como abuso doméstico e sexual — e a transtornos como depressão, ansiedade, déficit de atenção, entre outros. Esses quadros exigem tratamento integrado e contínuo. A cura exige compromisso pessoal, trabalho árduo, oração sincera e o apoio da comunidade.
Na Tradição da Igreja Ortodoxa, a sobriedade (nepsis) é uma virtude essencial. Os monges ascetas a ensinam como fundamento da vida cristã: viver de forma vigilante, honesta, moderada e constantemente voltada para Deus. O pecado e o afastamento de Deus pedem metanóia, ou seja, arrependimento genuíno e transformação de vida. A recuperação de um vício é, nesse sentido, um reflexo do próprio caminho da salvação: conversão, luta e graça.
Nosso chamado é apresentar-nos diante de Deus com as virtudes adquiridas pela fé, pela esperança e pelo amor. São Paulo nos adverte que “os impuros, enganadores, efeminados, bêbados e os que vivem nas trevas” não herdarão o Reino dos Céus. Mas também nos ensina que a graça de Deus é maior que nossas quedas. A salvação e a recuperação estão disponíveis para todos os que confiam, se arrependem e se levantam.
Infelizmente, nos últimos tempos, muitos programas de recuperação abandonaram o fundamento espiritual da fé cristã, adotando um espiritualismo genérico e relativista. Deus foi transformado em uma "força superior" impessoal. Contudo, ainda que respeitemos os caminhos de quem está fora da Ortodoxia, como ensinou São Nils Sorsky, oramos por todos com caridade e verdade, sem abandonar a integridade do Evangelho de Cristo.
O objetivo da recuperação é viver com retidão. O objetivo da salvação é viver para sempre com Cristo, no amor eterno do Pai, na luz do Espírito e na glória do Reino, evitando essas práticas que culminam em imaturidade espiritual e paralisia.
Fontes:
Cannabis and the Orthodox Christian — Pravmir
Orthodox Christian Understanding of Substance & Other Abuse — OCA