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O Caminho da Transformação Espiritual Parte I

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"Não Vos Conformeis Com Este Mundo, Mas Transformai-vos Pela Renovação da Vossa Mente". (Rom. 12:2)



1. Transformação, Salvação, Deificação



O tema desta Conferência - "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente" - é um tema bastante difícil de tratar, em razão de ser  tão vasto e abrangente. Ele fala sobre todo o propósito de nossas vidas como cristãos ortodoxos. Nosso Senhor Jesus Cristo disse: Eu vos escolhi do mundo (João 15:19).



Fomos chamados para fora deste mundo, a fim de tornarmo-nos cidadãos de outro mundo: o Reino de Deus. Esse Reino começa agora, nesta vida, continua depois que deixamos este mundo, e vai chegar à sua consumação na Segunda Vinda de nosso Salvador. A fim de viver nesse Reino, para que sejamos  seus cidadãos,  precisamos ser transformados.



"Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente" (Rom. 12:2). Estas palavras da epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos ajudam a introduzir um ensinamento divinamente inspirado sobre a transformação espiritual. Nesta palestra, vou falar primeiramente sobre o significado teológico da transformação como entendido  na Igreja Ortodoxa. Então vou fazer um  comentário com base nos Santos Padres sobre o ensino de São Paulo a respeito da transformação. Em seguida, vou oferecer algumas sugestões práticas sobre o caminho para a transformação, com ênfase na vigilância e oração. Finalmente, vou falar sobre o amor autêntico como uma marca principal da verdadeira transformação espiritual.



Como já disse, o tema da transformação aponta para o propósito de nossa vida. Esse propósito é a eterna união com Deus - deificação, theosis. Mas deificação não é uma condição estática: é um crescimento sem fim, um processo, uma subida em direção a Deus. Nós não vamos chegar ao fim nesta vida, nem na vida futura. São Simeão, o Novo Teólogo, que alcançou o que poderia ser chamado de o maior grau possível de união com Deus nesta vida, disse: "Ao longo dos tempos, o progresso será interminável, pois a cessação desse crescimento até o fim, sem o término, não passaria de uma compreensão do incompreensível." [1]



Nossa união com Deus é uma contínua transformação à semelhança de Deus, que é a semelhança de Cristo.



Eu, como muitos de vocês, vim para a Igreja Ortodoxa a partir de um parâmetro protestante. De vez em quando, um protestante  me pergunta: "Você está salvo?" É difícil responder a esta questão de uma forma que um protestante possa entender, pois a concepção protestante da salvação é muito diferente da nossa compreensão como cristãos ortodoxos. Recentemente li o livro de Clark Carlton "A Vida". Clark é um ex-protestante, e compreende bem a mentalidade protestante. Ele aponta de forma perspicaz para um ponto: no protestantismo, a salvação significa simplesmente mudar a atitude de Deus em relação a você, para que você possa ir para o céu. De acordo com esse entendimento,  literalmente se leva apenas alguns minutos para ser "salvo". [2]



Na Ortodoxia, por outro lado, a salvação é vista em termos máximos ao invés de mínimos. Em seu livro "A Vida Espiritual Ortodoxa de acordo com São  Silouan, o Athonita", Harry Boosalis (membro do Seminário de São Tikhon) escreve: "Para a Igreja Ortodoxa, a salvação é mais do que o perdão dos pecados e transgressões. É mais do que ser justificado ou absolvido por ofensas cometidas contra Deus. Segundo a doutrina ortodoxa, a salvação certamente inclui o perdão e a justificação, mas não é de forma limitada a eles. Para os Padres da Igreja, a salvação é a aquisição da Graça do Espírito Santo. E  ser salvo é ser santificado e assim participar na vida de Deus - Na verdade, se tornar participantes da natureza divina”. (2 Pedro 1:4) [3]



Na Ortodoxia, a salvação não significa apenas mudar a postura de Deus, mas mudar a nós mesmos, na medida que também somos mudados por Deus. Salvação em última análise significa deificação,  e esta como vimos, implica transformação. O homem então, caminha para ser unido com Deus, de forma  cada vez mais plena através de Sua graça, sua Energia Incriada, na qual Ele está totalmente presente.  À medida que participamos cada vez mais plenamente na vida de Deus através de Sua graça, nós nos tornamos cada vez mais deificados, cada vez mais à semelhança de Cristo. Então, no momento da nossa partida desta vida, podemos viver para sempre com Cristo no Seu Reino, porque "parecemos com ele" espiritualmente, porque estamos brilhando com a Graça de Deus.



Muitos anos atrás, em 1982, fiz uma viagem à Terra Santa. Eu ainda era catecúmeno, então, e estava planejando ser batizado na Califórnia apenas um mês ou mais depois de voltar da viagem. Lembro-me de um dia quando  estava em Jerusalém, na Igreja do Santo Sepulcro, de pé no Gólgota, no lugar onde Cristo foi crucificado. Eu estava fazendo o sinal da Cruz. Uma senhora idosa que estava de pé ao meu lado me perguntou de onde eu era. Eu acredito que ela era grega. Quando eu disse que era  dos Estados Unidos, ela disse, "Você é da América, e é ortodoxo?" Eu disse que não era, mas que estava prestes a ser, se Deus quiser. Então ela olhou para mim e disse enfaticamente: "Quando se é ortodoxo, se pode tornar-se santo".



Essa foi uma afirmação para mim sobre o caminho de vida que estava prestes a embarcar. Eu ouvi essas palavras ali no Calvário, onde Cristo morreu por minha salvação, para que eu pudesse tornar-me santo, de modo que eu pudesse ter a Graça de Deus dentro de mim no Batismo, para que eu pudesse continuar a adquirir a Graça do Espírito Santo, para que eu pudesse tornar-me deificado.



Com Sua encarnação, morte e ressurreição, Cristo redimiu a natureza humana, abrindo o caminho para a deificação e até mesmo para o resgate do corpo que ocorrerá na Ressurreição Geral. Essa é a dimensão objetiva de nossa salvação. Mas, enquanto a nossa natureza já foi salva, temos que pessoalmente nos apropriar dos efeitos desta  salvação. Essa é a dimensão subjetiva da nossa salvação. Cristo já veio a nós, cabe-nos ir a Ele e estar unido com Ele.



Quando lemos ensinamentos ortodoxos sobre  transformação, santidade e deificação - e ainda mais quando lemos sobre pessoas que alcançaram um alto grau de santidade - tudo isso pode parecer muito além de nós. Em certo sentido, isso deve parecer mesmo  para além de nós, isto é, devemos  sentir que temos um longo caminho a percorrer. No entanto, não devemos sentir que santidade e deificação são em última análise, fora do nosso alcance. Cada um de nós é chamado a isso. Quando penso sobre o que aquela senhora me disse no Gólgota, há anos atrás, eu penso sobre o que eu não fiz para me  tornar santo, para ser transformado à semelhança de Cristo, para ser "salvo" no sentido ortodoxo máximo da palavra. Tenho certeza de que cada um de nós aqui pode pensar que nós não fizemos como nós poderíamos ter feito  durante todo o tempo que temos sido cristãos ortodoxos. Mas isso não nos deve levar ao desespero. Pelo contrário, deve levar-nos ao arrependimento, ao desejo de dedicar nossas vidas a Cristo, com o pensamento sobre o que podemos fazer para sermos salvos, para sermos  deificados, a partir deste momento de nossas vidas em diante.




2. Sacrifícios Vivos



Com isto em mente, vamos olhar mais de perto a exortação de São Paulo: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente." Isso faz parte de todo um capítulo da Escritura que discute transformação espiritual.  Ao examinar este capítulo, vou me basear em primeiro lugar, num comentário feito por São João Crisóstomo, que poderia ser chamado de o principal comentarista ortodoxo das Escrituras. Os comentários de São João sobre as Epístolas de São Paulo são de especial interesse porque São João foi instruído pelo próprio São Paulo sobre como interpretar suas epístolas. De acordo com a Vida de São João, em três ocasiões seu discípulo Proclo viu o apóstolo Paulo em pé sobre o ombro de São João e falando em seu ouvido enquanto São João escrevia seus comentários sobre as epístolas.



O ensinamento de São Paulo sobre a transformação espiritual , em Romanos, capítulo 12 - começa tratando das condições prévias para tal transformação. São Paulo escreve aos cristãos de Roma: "Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional".



Em seu comentário sobre esta passagem, São João Crisóstomo pergunta: "Como é que o corpo pode se tornar um sacrifício? Faça o olho evitar tudo aquilo que for o mal, e aqui  o olho tornou-se um sacrifício. Faça sua língua não falar nada imundo, e ela  terá se tornado uma oferenda.  Não deixe que sua mão faça nada corrupto, e assim ela se  tornará um holocausto. Mas isso não é suficiente. Devemos também realizar boas obras com o corpo. Que a mão dê esmolas, a boca abençoe, que os ouvidos  encontrem consolo nos ensinamentos divinos. Sacrifício não permite  o consórcio  de coisas impuras: o sacrifício é um primeiro fruto de outras ações. Vamos, então, a partir de nossas mãos, nossos pés, nossas bocas, e todos os nossos outros membros, ofertar um primeiro fruto para Deus". [4]



São João Crisóstomo diz que, na Antiga Aliança, os animais oferecidos em sacrifício eram mortos após o sacrifício ter sido  realizado. "Não é assim", diz ele, "com o nosso sacrifício. Esse sacrifício ofertado permanece vivo. Porque quando nós colocamos à morte os nossos membros, então somos capazes de viver". [5] São João está aqui se referindo a Colossenses 3:5, onde São Paulo diz: “Coloquem à morte, portanto, os vossos membros que estão sobre a terra: fornicação, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria”.



Assim, de acordo com o ensinamento de São Paulo, devemos nos apresentar como sacrifício vivo a Deus. Ao fazê-lo, o nosso "velho homem", nosso "homem do pecado" morre, e o nosso "homem novo" vive (Rom. 6:06; Efésios 4:22, Colossenses 3:09). Colocamos à morte as nossas paixões pecaminosas, para que Cristo possa viver em nós. Morremos para nós mesmos, para que possamos renascer em Cristo.



A nossa morte e renascimento são marcados primeiramente pelo Batismo, quando, de acordo com São Paulo, morremos com Cristo e ressuscitamos com Ele (Rom. 6:3-4). No Batismo, recebemos a Graça do Espírito Santo dentro de nós, unida com a nossa alma, como Adão e Eva tinham dentro de si antes da queda. Este é o começo da nossa salvação e deificação em Cristo, mas é apenas o começo. Estamos a colocar continuamente à morte os restos de nosso "velho homem", a fim de sermos continuamente transformados à semelhança de Cristo. É por isso que São Paulo disse: Eu morro todos os dias (I Coríntios 15:31).



Cristo ofereceu a Si mesmo na cruz como um sacrifício por nós. A fim de verdadeiramente conhecer a Cristo, devemos entrar em Seu auto-esvaziamento e oferecer um sacrifício em troca. Um sacrifício interior, que é o ato e sinal de nosso amor a Deus e ao próximo. É o sacrifício de nossos corações e mentes a Deus. O sacrifício de nossos egos, nosso orgulho, nossos apegos terrenos e as nossas paixões. O sacrifício de nosso tempo e energia pelos nossos semelhantes, a quem nos dedicamos em nome de Cristo.



Ao permitimos que Cristo ponha nossos egos à morte, nossos "eus" carnais são consumidos no altar do amor e do sacrifício e são levados a Deus como o incenso. E quando isso ocorre, estamos, na verdade sendo re-criados por Cristo, nos tornando novos seres: seres espirituais com uma maneira inteiramente nova de ver a realidade, diferente daquela dos amantes deste mundo.



O sacrifício é doloroso. Nosso "velho homem", nosso "homem do pecado" não quer morrer no altar do sacrifício. A força da nossa natureza decaída é forte. Os Santos Padres ensinam que a queda do homem resultou de dois motivos. O primeira é a auto-estima ou amor-próprio (no dia em que comerdes [do fruto da árvore] sereis como deuses - Gen. 03:05), e a segundo é o amor ao prazer sensual (a árvore era boa para a alimentação, e agradável aos olhos - Gen. 3:6). Todos os pecados do mundo, dizem os Padres, decorrem destas duas causas. Nós não herdamos a culpa do pecado de Adão, mas herdamos a tendência ou inclinação em direção ao pecado. Essa inclinação pertence ao nosso "velho homem", o homem do ego, o homem carnal, a quem nos entregamos ao longo dos anos. Quando tentamos matá-lo, ele vai lutar por seu direito de existir. É por isso que o sacrifício é tão doloroso.



A dor desse sacrifício é poderosamente expressa na autobiografia da Abadessa Thaísia, uma das grandes abadessas da Rússia do século XIX. Certa vez ela teve um sonho em que um dos grandes abades da Rússia, Damasceno, apareceu para ela. O Abade Damasceno havia morrido um ano antes, e abadessa Thaísia estava passando por grande tribulação em sua vida. No sonho, Abade Damasceno perguntou-lhe: "Você sabe qual é o significado do rasgar em dois o véu do Templo de Jerusalém na época da morte de nosso Salvador na Cruz?" Madre Thaísia respondeu que isso significava a divisão entre o Antigo e o Novo Testamento. "Isso está bem", disse o abade, "isso está correto de acordo com os livros. Mas pense: não se refere também à nossa vida cristã"?



A abadessa Thaísia começou a contemplar esta palavra, e em seguida, respondeu: "Eu acho que isso significa o quanto a alma humana está dividida, quanto ela se esforça para com Deus. Trata-se então de um rasgar em dois, tornando-se espiritual, mas não deixando de pertencer ao homem carnal que nela habita, significando que está dividida, cortando e rasgando longe de si a vontade do homem exterior, que é doce, mas inclinada ao pecado. O seu pobre coração está rasgado, rasgando-se ao meio, em pedaços. Alguns desses pedaços, tão impróprios, mas ainda assim parecidos com ele, ele rasga e lança no mundo, mas os outros ele leva como puro incenso ao seu Cristo. Ó, quão difícil às vezes é para o pobre coração; como é atormentado e sofre, literalmente sendo rasgado ao meio!".



Em seu sonho, a abadessa Thaísia disse isso com tal fervor que se fez coberta de lágrimas. Abade Damasceno disse a ela: "Sim, o Senhor não lhe privou de Sua graça. Como você vai crescer  estando fraca e entregue ao desânimo e às tristezas? Tome coragem, e que seu coração seja fortalecido com esperança no Senhor". Com estas palavras, o Abade levantou-se e abençoou Madre Thaísia. Ela acordou em lágrimas, mas não mais de tristeza, mas de inexprimível alegria. [6]



As palavras da abadessa Thaísia nos fornecem uma imagem exata do sacrifício que é exigido de nós que conhecemos a Cristo e estamos unido a Deus. É um sacrifício mais doloroso para o ego, pois nele o ego morre uma morte lenta, mas é um sacrifício que traz uma  alegria maior, coragem e liberdade do espírito, que se une no amor com seu Criador. Nós devemos "dar o sangue", disse o Santo Padre do Deserto, Longinus, do Egito, a fim de "receber o Espírito".



Falando ainda do sacrifício que devemos oferecer a Deus, São João Crisóstomo novamente compara este aos sacrifícios dos hebreus no Antigo Testamento. Assim como os hebreus examinavam cuidadosamente os animais que estavam a oferecer em sacrifício, para ter certeza que eles não tinham manchas e imperfeições e eram de tudo saudáveis, assim também nós devemos nos examinar de forma rigorosa, de modo a sermos puros em todos os aspectos. "Então", diz São João, "nós também seremos capazes de dizer como Paulo, agora estou pronto para ser oferecido, e o tempo da minha partida está próximo (II Tm. 4:6). Mas isso só pode acontecer se matarmos o homem velho, se condenarmos à morte os nossos membros que estão sobre a terra, se crucificarmos o mundo para nós mesmos. Se, quando Elias ofereceu o sacrifício visível, uma chama veio de cima para baixo e consumiu toda a água, madeira e pedras, muito mais isso será feito em nós. E se você tem alguma coisa em si mesmo que é relaxada e mundana, mas ainda assim oferece o sacrifício com uma boa intenção, o fogo do Espírito Santo descerá, e vai destruir o que há de mundano, e fará perfeito todo o sacrifício". [7]



Aqui vemos a base, o fundamento, da transformação espiritual: temos que oferecer toda a nossa vida a Cristo em sacrifício, para que Ele possa queimar a escória e recriar-nos à Sua semelhança.


Palestra proferida pelo Hieromonge Damasceno na Conferência de Vida Paroquial da Diocese

Ortodoxa Antioquina de Wichita e da América Central, Sioux City, Iowa, 9 de junho de 2005.




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Pároco da paróquia Axion Estin em Sorocaba e, responsável pela igreja GOC no Brasil, missionário da comunidade São João Maximovich em Curitiba e da Paroquia Nossa Senhora da Proteção na Pedreira -São Paulo SP.

"Sou um sacerdote ortodoxo e busco fiéis comprometidos com a Santa Fé, livres das heresias propagadas por aqueles que a desconhecem ou a deturpam intencionalmente. Como membro da Genuína Igreja Ortodoxa da Grécia, preservamos  fielmente a Santa Tradição e os Santos Cânones, incluindo as decisões dos Santos Concílios que anatematizam as alterações no calendário litúrgico. Seguimos a determinação do Concílio de Niceia sobre o Menaion e o Pascalion, bem como as resoluções dos Concílios Pan-Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848."

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