O Caminho da Transformação Espiritual Parte II
- Paróquia Axion Estin
- 24 de mar.
- 6 min de leitura

"Não Vos Conformeis Com Este Mundo, Mas Transformai-vos Pela Renovação da Vossa Mente". (Rom. 12:2)
3. Não Conformidade, Mas Transformação
Agora estamos prontos para olhar para o tema de hoje em seu contexto completo. Primeiro vem o sacrifício, então depois, a transformação. É por isso que, em Romanos, capítulo 12, o primeiro precede o outro em sequência: "Apresentai os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus - e não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente".
Se nós colocamos à morte o nosso "homem velho" no altar do sacrifício, segue-se que não vamos nos conformar com este mundo.
O que se entende por "o mundo"? Existem vários significados do termo "mundo" na Sagrada Escritura. Pode significar o universo material, ou o mundo habitado. Em sua conotação negativa, isso pode significar aqueles que se opõem a Deus, e, segundo alguns Santos Padres, pode referir-se às paixões ou ao apego às coisas dos sentidos. Santo Isaac, o Sírio, escreve: "O mundo é o nome genérico para todas as paixões. Quando chamamos as paixões por um nome comum, chamamos mundo. Mas quando queremos distingui-las por seus nomes especiais, nós as chamamos de paixões. As paixões são as seguintes: o amor às riquezas, o desejo de posse, o prazer corporal de onde vem a paixão sexual, amor pela honra que dá origem a inveja, a cobiça pelo poder, a arrogância e o orgulho da posição, o desejo de adornar-se com roupas luxuosas e ornamentos inúteis, a inquietação por glória humana, que é uma fonte de raiva e ressentimento e medo físico. Onde essas paixões deixam de ser ativas, o mundo está morto. Alguém já disse sobre os santos que, enquanto vivos eles estavam mortos, pois, embora vivendo na carne, eles não viveram para a carne. Veja para qual destas paixões você está vivo. Então você vai saber o quão você está vivo para o mundo, e quão morto você está para ele". [8]
Com este ensinamento patrístico em mente, as palavras "não vos conformeis com o mundo" podem ser entendidas como "não vos conformeis com as paixões". Os Padres dizem que todos nós temos nossas próprias paixões favoritas: a nossa primeira favorita, nossa segunda favorita, etc. Devemos examinar a nós mesmos para ver o que nossas paixões favoritas são, para que possamos confessá-las no Sacramento da Confissão e extirpá-las de nós, com a ajuda de Deus.
"E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos". São João Crisóstomo, comentando este versículo, aponta as diferentes raízes das palavras "conformar" e "transformar". Na tradução para o Inglês, as raízes são as mesmas, mas em grego elas são muito diferentes. A palavra "conformar" vem da raiz schema, que significa uma pose externa, uma aparência, uma imagem exterior, o vestir um hábito exterior. Isso não denota algo duradouro e fixo, mas sim algo imaterial e passageiro. Outra tradução para esta palavra pode ser "moda", como vemos em outra passagem de São Paulo, onde ele usa a mesma palavra: "A moda deste mundo passa" (I Coríntios 7: 31). Esta tradução tem a mesma conotação que a nossa palavra em Inglês "fashion" (em português "moda") tem, ou seja, algo que muda o tempo todo, como é exatamente o que ocorre com a moda relativa às roupas, etc.
Segundo São João Crisóstomo, quando São Paulo diz: "E não vos conformeis com este mundo", ele escolhe a palavra "moda", a fim de indicar a superficialidade deste mundo de paixões. Além disso, a palavra que São Paulo usa para "mundo" é aeon, que também pode ser traduzido como "época" ou "o mundo de acordo com o tempo" - mais uma vez indicando a superficialidade dos prazeres mundanos. São João Crisóstomo explica: "Se você falar das riquezas, ou da glória, ou beleza de uma pessoa, ou do luxo, ou de qualquer outra das coisas do mundo são aparentemente grandes, tudo nos remete a apenas uma moda, não uma realidade, mas sim um show e uma máscara, não possuindo qualquer substância permanente". [9]
Pense nas imagens que a mídia de entretenimento coloca diante de nós como dignas de admiração e emulação: os ricos, os famosos, a beleza. Não são estes tópicos de hoje exatamente aqueles que São João está fazendo menção quando diz: "apenas uma moda, não uma realidade, mas sim um show e uma máscara"? Tudo isso passa.
Não é assim com a transformação espiritual. São Paulo diz: "transformai-vos pela renovação da vossa mente”. A palavra para "transformar" é no original grego metamorfose. Isto denota algo duradouro e permanente: não apenas uma mudança de sua aparência ou imagem, como relativo às modas mundanas, mas sim uma mudança de sua forma orgânica e substancial. São Paulo aqui está dizendo que não devemos ter como meta mudar a nossa moda ou aparência, mas sim que temos que mudar o que somos. Segundo São João Crisóstomo, São Paulo escolhe as palavras exatas para mostrar que "os caminhos do mundo são uma moda, mas os caminhos da virtude não são uma moda, mas um tipo de forma real com uma beleza natural própria, sem as artimanhas e modas das coisas externas, que, tão logo aparecem, logo acabam como nada. Se, então, você deixa a moda de lado, você rapidamente chegará à forma". [10]
Em outras palavras, não vivemos para o que é passageiro, mas sim para o que dura para sempre. Nosso Senhor Jesus Cristo disse: Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, O selou. (João 6: 27)
No mundo - o mundo das paixões - muita ênfase é colocada na "imagem": você tem que ter a "imagem" externa correta, a fim de ser bem sucedido neste mundo. Nosso objetivo, como cristãos, é completamente diferente. Nós devemos ser totalmente transformados para que sejamos bons cidadãos no outro mundo.
4. A Renovação da Mente
"Transformai-vos pela renovação da vossa mente". O que São Paulo quer dizer, com renovar a mente? Segundo São João Crisóstomo, tal significa arrependimento. Pois somos instados a buscar esta transformação, mas quando olhamos para nós mesmos, vemos que pecamos todos os dias. Isso pode nos levar ao desespero, com o pensamento: "Eu não estou transformado, e eu nunca serrei". É por isso que São Paulo acrescenta as palavras "pela renovação da vossa mente": de modo que nós não venhamos a cair em desespero. São João Crisóstomo escreve: "Uma vez que é provável que, sendo homens, eles pequem todos os dias, São Paulo consola seus ouvintes dizendo: "renovai-vos" dia após dia. Isso é o que fazemos com as nossas casas: mantemos constantemente os reparos necessários, conforme elas ficam velhas. Devemos fazer a mesma coisa conosco. Você já pecou hoje? Você tornou sua velha alma? Não se desespere, não desanime, mas renove sua alma pelo arrependimento, pelas lágrimas e pela confissão, e realizando boas obras. E nunca deixe de fazer isso". [11]
Do ponto de vista teológico, é importante salientar que a "renovação da mente", da qual São Paulo fala é realmente a "renovação do nous". No original grego, a palavra para mente aqui é nous. Na teologia ortodoxa, o nous é a maior faculdade ou poder da alma humana. É a faculdade que conhece a Deus diretamente, que é a sede da nossa personalidade, que experimenta a Pessoa de Deus, numa comunhão de amor. São Gregório Pálamas e outros Santos Padres dizem que o Nous é o que define mais precisamente o que é a "imagem de Deus" em nós. [12]
Na queda do homem, o nous se tornou obscurecido e adoeceu. A Energia Incriada, Luz ou Graça de Deus tornou-se estranha a ele. Como mencionei anteriormente, através do trabalho do homem, a redenção de Cristo é recebida como Graça de Deus dentro de cada um quando do Santo Batismo. Mas a cada vez que um cristão batizado comete pecado, ele mancha seu vestuário batismal, por assim dizer. Ele amortece a Luz da graça dentro dele, e mais uma vez obscurece ou faz adoecer o seu nous. Desta maneira, em vez de voltar-se para e unir-se com Deus, sua mente se afasta d’Ele, através do acolhimento das paixões, da valorização da autoestima e pela busca do amor ao prazer sensual. Voltando-se para as paixões, o nous repele a Graça de Deus, e isso impede o cristão de continuar no caminho da deificação em Cristo.
A doença do nous leva à morte espiritual. A escuridão do nous leva a escuridão espiritual, na qual não podemos ver as coisas com clareza e sobriedade. Não podemos ver as coisas como Deus as vê; em vez disso, só podemos vê-las através do filtro de nossas paixões. E assim, ficamos a tatear às cegas na vida, prejudicando a nós mesmos e ferindo os outros, consciente ou inconscientemente. Nos desviamos muito do nosso propósito na vida, que é a união com Deus, e embora possamos pensar que temos muitas coisas importantes para fazer, nós vagamos sem rumo pela vida, e toda a nossa correria só serve para nos distrair do nosso estado espiritual doente, a partir do fato de que não estamos cumprindo o verdadeiro propósito de nossa vida. Nosso nous está doente porque nos separamos de Deus, porque temos procurado nossas paixões, em vez de buscar por Ele.
Palestra proferida pelo Hieromonge Damasceno na Conferência de Vida Paroquial da
Diocese Ortodoxa Antioquina de Wichita e da América Central, Sioux City, Iowa, 9 de junho de 2005.





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