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O Caminho da Transformação Espiritual - Parte III


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"Não Vos Conformeis Com Este Mundo, Mas Transformai-vos Pela Renovação da Vossa Mente". (Rom. 12:2)




5. Vigilância e Oração



A cura de nosso nous doente começa com o que acabamos de tratar: o sacrifício do nosso "velho homem", o corte das paixões, o arrependimento. Ao falar sobre a cura do nous, os Santos Padres dão muita ênfase à prática da vigilância. Devemos sempre vigiar nossos pensamentos, de modo a rejeitar - cortar - pensamentos pecaminosos e apaixonados. Quando um pensamento pecaminoso vem a nós e nós o cortamos de uma vez, não é um pecado. Mas quando nos entretemos com um pensamento pecaminoso, quando nós o apreciamos e o desenvolvemos, porque somos atraídos por ele, então ele se torna pecado, então ele nos separa de Deus. Quando nos entretemos com pensamentos apaixonados, a nossa mente torna-se obscurecida, privada da luz da Graça Divina. Estes pensamentos conduzem a sentimentos apaixonados, e tais sentimentos dão combustível a mais pensamentos. Logo estamos presos em uma paixão, e a paixão se torna habitual. É por isso que temos que cortar o mal onde ele começa, em nossos pensamentos.



Para cortar pensamentos pecaminosos, primeiro devemos reconhecer esses pensamentos como nosso inimigo. Temos de perceber que eles podem nos separar de Deus. Por exemplo, quando temos um pensamento ressentido ou de julgamento contra o nosso próximo, devemos reconhecer que entreter esse pensamento nos colocará em inimizade com Deus. Então, nós recusamos a nos entreter com ele. Nós apenas o deixamos ir. E se ele volta novamente uma hora mais tarde, ou mesmo (como muitas vezes acontece) alguns minutos depois, mais uma vez deve-se cortá-lo fora.



Na Igreja Ortodoxa, temos um meio especial de cortar pensamentos: a Oração de Jesus ("Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador"). Os efeitos dessa oração são dois: Em primeiro lugar, a oração nos ajuda a cortar e afastar pensamentos apaixonados. E em segundo lugar, a oração nos ajuda a nos voltarmos continuamente a Cristo, nosso Salvador.



Quando praticamos a vigilância, com a ajuda da Oração de Jesus, nós tornamos a nossa alma aberta para receber a Graça do Espírito Santo, que nos transforma e nos deifica. Nós então não estamos mais repelindo a Graça, mas atraindo-a. Estamos assim clamando a  Cristo para que tenha piedade de nossas almas obscurecidas, e nós O convidamos para habitar dentro de nós mais plenamente, para encher-nos com a Sua Vida sem fim, com a Luz do Espírito Santo que Ele enviou do Pai (João 15:26). E é assim que nosso nous é iluminado pela luz da Graça Incriada de Deus. "Somente o Espírito Santo pode purificar o nous", escreve São Diádoco de Photiki na Philokalia. "Em todos os sentidos, portanto, e especialmente através da paz da alma, devemos tornar-nos uma morada para o Espírito Santo. Assim, teremos a lâmpada do conhecimento espiritual queimando sempre dentro de nós". [13]



Além de dizer a Oração de Jesus, nós devemos cultivar o hábito de clamar a Deus em nossas próprias palavras. Isso deve ser feito durante todo o dia. Os Padres nos aconselham contra a tentativa de fazer longos discursos eloquentes a Deus, ao contrário, devemos orar simplesmente, a partir do coração. Nós podemos chamar a Ele verbal ou mentalmente, dependendo da situação. É claro, devemos chamá-Lo quando a tentação nos assedia, mas não devemos de modo algum esperar por esses momentos para buscar falar com Ele. O Arquimandrita Sofrônio,  discípulo de São Silouan do Monte Athos, cultivava a prática de orar a Deus cada vez que ele estava prestes a ver e falar com alguém. Ele orava para que Deus abençoasse o encontro que estava prestes a acontecer, para que a Graça de Deus estivesse com ele. Se fôssemos seguir esta prática muito simples, basta pensar em como nossos encontros diários com as pessoas seriam transformados, e como nossas vidas seriam diferentes.



Além disso, juntamente com a oração durante todo o dia consorciada com nossas tarefas diárias, é importante dedicar alguns momentos do dia apenas para a oração, isto é, ter uma regra de oração. O conteúdo desta regra de oração varia de acordo com cada pessoa, e às vezes ela muda. É bom ter a bênção de um padre ou pai espiritual para seguir uma regra de oração. A regra pode consistir em orações do Livro de Orações Ortodoxo, ou da Oração de Jesus, ou uma combinação desses, juntamente com a oração feita com suas próprias palavras,  a leitura do Evangelho, das epístolas, diariamente. São Teófano, o Recluso, diz que enquanto estamos lendo as orações de um livro de orações ou dizendo a Oração de Jesus, podemos muitas vezes perceber que somos movidos para  apenas ficar em silêncio diante de Deus com um desejo sincero. São Teófano então recomenda que nesses momentos se pare de ler ou recitar orações em tais ocasiões, e, em seguida, retomar um pouco mais tarde. [14]  "É melhor realizar um pequeno número de orações corretamente do que ler de forma apressada um grande número de orações", escreve ele. Ainda aconselha São Teófano: "Depois de ter recitado cada oração, faça tantas prostrações quantas você desejar. Você pode limitar a regra de oração inteira a apenas prostrações com orações curtas e orações em suas próprias palavras. Levante-se e faça prostrações, dizendo: ‘Senhor, tem piedade', ou alguma outra oração, expressando sua necessidade ou louvando e agradecendo a Deus. Você deve estabelecer um número de orações, ou um período de tempo para a oração, para que você não se torne preguiçoso. Você deve orar um pouco mais em suas próprias palavras, especialmente no final de suas orações, pedindo perdão pelo que ainda não intencional, vaguear da mente, e se colocar nas mãos de Deus pelo o dia inteiro". [15]



Separar um tempo para a oração diária é uma parte indispensável da vida espiritual. Nas famílias deve ser realizada  uma oração comum diariamente diante do Canto dos ícones da  família. Mesmo que apenas um pouco de tempo seja  reservado para isso,  este tempo pode fazer uma enorme diferença na vida de uma família. Mas para que de fato faça diferença, tal ato deve ser  regular, não esporádico.



A chave para a regra de oração é a constância. Se pularmos nossa regra de oração, nossas leituras bíblicas e as nossas leituras espirituais por um dia, veremos que o mundo já começa a invadir-nos: o mundo das paixões, o mundo de distrações. Se pularmos as nossas orações por dois dias, seremos invadidos ainda mais, e assim por diante. Conforme o tempo passa, vamos ter menos contato com a mente de Cristo, e mais com o espírito do mundo. Vamos nos encontrar mais e mais "conformados com este mundo". [16]



Para crescer na vida espiritual ortodoxa e dar frutos, precisamos fincar raízes, como na parábola de Cristo sobre o semeador. E, a fim de criar raízes, é preciso ter constância, consistência, em nossa oração diária e leitura espiritual. Nesta prática, também, nós podemos "nos renovar a cada dia", como diz São João Crisóstomo.



A  prática diária,  contínua da vigilância e oração, é claro, não pode substituir o lugar dos sacramentos da Igreja. Mas essa prática pode nos preparar para receber os Sacramentos, e pode aprofundar nossa experiência deles. São Simeão, o Novo Teólogo diz que o receber a Sagrada Comunhão é em si mesmo uma espécie de deificação - porque estamos recebendo os deificados Corpo e Sangue de Nosso Salvador. Nossa prática de vigilância e oração, juntamente com o nosso arrependimento, pode ajudar-nos a participar dessa deificação mais plenamente.





6. A Marca Principal da Transformação Espiritual



Agora, tendo verificado  a natureza da transformação espiritual e o caminho para essa transformação, vamos examinar mais de perto as marcas da transformação em um cristão.



Nós já discutimos com alguns detalhes os dois primeiros versículos de Romanos, capítulo XII. São Paulo  dedica o restante deste capítulo precisamente para as marcas da transformação. Continuando sua exortação, ele nos diz no que devemos ser transformados. Ele nos diz que devemos mostrar misericórdia, com alegria, para que o amor seja sem hipocrisia, a ser gentilmente carinhoso um com o outro com amor fraterno, em honra dando preferência  uns aos outros; não se demorando em diligência, fervorosos em espírito, servindo ao Senhor; regozijando-se na esperança, pacientes na tribulação, continuando firmemente na oração; distribuindo às necessidades dos santos, dados à hospitalidade. Então o apóstolo prossegue dizendo: Abençoai aqueles que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoai. Regozijai-vos com aqueles que se alegram e chorai com aqueles que choram. Sejais de mesma mente um para com o outro. Não colocai vossas mentes em coisas altas, mas associai-vos com os humildes. Não sejais sábios em vossa própria opinião. Não pagais a ninguém mal pelo mal. Tenhais consideração pelas coisas boas à vista de todos os homens. Se for possível, tanto quanto jaz em vós, vivais pacificamente com todos os homens... Não sejais vencidos pelo mal, mas superai o mal com o bem (Romanos 12:8-18, 21).



Que profundo e belo projeto  de vida cristã! É o projeto de uma vida não conformada com este mundo, mas transformada e renovada em Cristo. Cada ponto na exortação de São Paulo merece um discurso próprio, mas aqui vou apenas tratar dos pontos gerais. O que é que todos eles têm em comum? Claramente: que devemos ter amor uns pelos outros, e até mesmo pelos nossos inimigos. São Paulo está apenas explicando o grande mandamento de Cristo.



A marca mais essencial da transformação espiritual é que tenhamos amor. Nosso Senhor nos diz: Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros (João 13:35).



Em novembro de 2002, um amigo nosso – o Abade Jonas do Mosteiro de São João de Point Reyes, Califórnia - visitou o Mosteiro de Valaam, no norte da Rússia. Enquanto em Valaam, Padre Jonas teve uma conversa maravilhosa com um eremita, Pe. Isaque, em uma pequena ilha ao largo da ilha principal de Valaam. Pe. Jonas perguntou ao Pe. Isaque sobre como podemos crescer em maturidade espiritual. Em outras palavras, como somos transformados em Cristo. Para responder a esta pergunta, Pe. Isaque fez  uso de um  ensino do Arquimandrita Sofrônio, que ele tinha, obviamente, internalizado e que agora vivia na prática. Aqui eu gostaria de citar as palavras do Padre Isaque, que o Pe. Jonas registrou no Boletim “Ascenção Divina”, porque elas vão ao coração da transformação espiritual. Para o Pe. Isaque, como para São Paulo, transformação significa ser capaz de amar da forma mais autêntica.



"No início da nossa jornada espiritual”, Disse o Pe. Isaque, “quando estamos espiritualmente imaturos, toda a nossa atitude religiosa é egocêntrica, emocional e racional. O nível mais profundo de consciência, a consciência noética [isto é, a consciência do nous], ainda não foi totalmente aberta. Nós somos nossos egos, definidos por nossas paixões. Estamos longe de sermos pessoas autênticas, porque estamos presos ao nosso individualismo isolado. [Mas] à medida que crescemos, e ganhamos mais controle sobre nossas paixões e nossas almas se purificam, a Graça ilumina a nossa consciência noética. Nós nos tornamos mais conscientes da presença de Deus, e mais consciente do outro. Nós nos afastamos do egocentrismo. O foco da nossa atenção está em Deus. Quando isso acontece, o nosso próprio 'eu' pessoal se expande e engloba outros, de modo que não podemos conceber-nos isolados de Deus e de nossos irmãos. Este é o vínculo  de um autêntico amor espiritual, empoderado pela Graça. Quanto mais crescemos nesta consciência noética, mais o nosso amor abraça todos aqueles que nos rodeiam. Oramos com  coração por eles, e pelo  mundo inteiro. Somos purificados pela Graça, para que possamos autenticamente amar, de uma forma puramente altruísta. Esta é a essência do que significa ser cristão: amar autenticamente".



“Mas amando verdadeiramente a Deus e ao próximo - somos purificados, iluminados e deificados.  Somos restaurados a partir de nosso estado decaído, de nosso ego / egocentrismo e da tirania de nossa consciência racional e emocional. As paixões estão sob controle, subordinadas ao amor do Outro. Nós nos tornamos purificados de tudo o que nos concentra em nós mesmos e de todas as barreiras para amar". [17]



Palestra proferida pelo Hieromonge Damasceno na Conferência de Vida Paroquial da Diocese Ortodoxa Antioquina de Wichita e da América Central, Sioux City, Iowa, 9 de junho de 2005.



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Pároco da paróquia Axion Estin em Sorocaba e, responsável pela igreja GOC no Brasil, missionário da comunidade São João Maximovich em Curitiba e da Paroquia Nossa Senhora da Proteção na Pedreira -São Paulo SP.

"Sou um sacerdote ortodoxo e busco fiéis comprometidos com a Santa Fé, livres das heresias propagadas por aqueles que a desconhecem ou a deturpam intencionalmente. Como membro da Genuína Igreja Ortodoxa da Grécia, preservamos  fielmente a Santa Tradição e os Santos Cânones, incluindo as decisões dos Santos Concílios que anatematizam as alterações no calendário litúrgico. Seguimos a determinação do Concílio de Niceia sobre o Menaion e o Pascalion, bem como as resoluções dos Concílios Pan-Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848."

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