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O que é a Ortodoxia

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Arcebispo Abércio de Siracusa e Mosteiro da Santíssima Trindade


No primeiro domingo da Grande Quaresma, nossa Igreja celebra o triunfo da Ortodoxia, a vitória do verdadeiro ensinamento cristão sobre todas as perversões e distorções: as heresias e os falsos ensinamentos. No segundo domingo da Grande Quaresma, é como se esse triunfo da Ortodoxia se repetisse e se aprofundasse em relação à celebração da memória de um dos maiores pilares da Ortodoxia, o [santo] hierarca Gregório Palámas, Arcebispo de Tessalônica, que por sua eloquência repleta da graça e pelo exemplo de sua vida privada altamente ascética envergonhou os mestres da falsidade que ousaram rejeitar a própria essência da Ortodoxia, o podvig [exercício espiritual, ascese] da oração e do jejum, que ilumina a mente humana com a luz da graça e a torna uma comunicante da glória divina.

Ó céus! Quão poucas pessoas existem em nossos tempos, mesmo entre os instruídos, e às vezes até entre os “teólogos” contemporâneos e o clero, que entendem corretamente o que é a Ortodoxia e onde está sua essência. Eles abordam essa questão de maneira totalmente superficial e formal e a resolvem de maneira muito primitiva, até mesmo ingênua, ignorando completamente suas profundezas e não vendo a plenitude de seu conteúdo espiritual.

Apesar da opinião superficial da maioria, a Ortodoxia não é apenas mais uma das muitas “confissões cristãs” agora existentes, ou “denominações”, dizem aqui na América [do Norte]. A ortodoxia é o verdadeiro, genuíno ensino de Cristo em toda a sua pureza e plenitude, sem distorções, não pervertido por nenhum sofisma ou invenção humana. É o ensino da fé e piedade que é a vida de acordo com a Fé.

A ortodoxia não é apenas a soma total dos dogmas aceitos como verdadeiros, de uma maneira puramente formal. Não é apenas teoria, mas prática. Não é apenas a fé correta, mas uma vida que está em pleno acordo com essa fé. O verdadeiro cristão ortodoxo não é apenas aquele que pensa de maneira ortodoxa, mas que sente de acordo com a ortodoxia e vive a ortodoxia, que se esforça para

incorporar o verdadeiro ensinamento ortodoxo de Cristo em sua vida.

“As palavras que eu vos disse são espírito e vida” (São João 6:64), assim falou o Senhor Jesus Cristo a Seus discípulos sobre Seu ensinamento divino. Consequentemente, o ensinamento de Cristo não é apenas uma teoria meramente abstrata, separada da vida, mas espírito e vida. Portanto, somente aquele que pensa de forma Ortodoxa, que sente a Ortodoxia e vive a Ortodoxia pode ser considerado um ortodoxo de verdade.

Ao mesmo tempo, devemos perceber e lembrar que a Ortodoxia nem sempre é aquilo que é oficialmente chamado de “Ortodoxo”, pois em nossos tempos falsos e maus, o aparecimento em toda parte da pseudo-Ortodoxia que se estabelece no mundo já é um fato extremamente doloroso, mas, lamentavelmente, inquestionável. Essa falsa Ortodoxia esforça-se ferozmente para substituir a verdadeira Ortodoxia, pois em seu tempo o Anticristo se esforçará para tomar o lugar e substituir Cristo por si mesmo.

A Ortodoxia não é meramente um tipo de organização puramente terrena, chefiada por patriarcas, bispos e sacerdotes que exercem o ministério na Igreja que oficialmente é chamado de “ortodoxa”. A ortodoxia é o místico “Corpo de Cristo”, cuja Cabeça é o próprio Cristo (veja Ef. 1:22-23 e Col. 1:18,24), e cuja composição inclui não apenas os sacerdotes, mas todo aquele que verdadeiramente crê em Cristo e que entrou licitamente pelo Santo Batismo na Igreja que Ele fundou, aqueles vivendo sobre a terra e aqueles que morreram na fé e na piedade. 

A Igreja Ortodoxa não é nenhum tipo de “monopólio” ou “um negócio” do clero, como pensam os ignorantes e os alheios ao espírito da Igreja. Não é patrimônio deste ou daquele hierarca ou sacerdote. É a estreita união espiritual de todos os que verdadeiramente crêem em Cristo, que se esforçam de maneira santa para guardar os mandamentos de Cristo com o único objetivo de herdar aquela bem-aventurança eterna que Cristo, o Salvador, preparou para nós, e se pecarem de fraqueza, eles se arrependem sinceramente e se esforçam para dar “frutos dignos de arrependimento” (São Lucas 3:8).

A Igreja, é verdade, não pode estar completamente afastada do mundo, pois nela entram as pessoas que ainda vivem na terra e, por isso, o elemento “terrestre” em sua composição e organização externa é inevitável. No entanto, quanto menos houver desse elemento “terrestre”, melhor será para seus objetivos eternos. De qualquer forma, esse elemento “terrestre” não deve turvar nem reprimir o elemento puramente espiritual (a questão da salvação da alma para a vida eterna), razão pela qual a Igreja foi fundada e existe.

O primeiro e fundamental critério que podemos usar como guia para distinguir a Verdadeira Igreja de Cristo das Igrejas falsas (que agora são tantas!) é o fato de ter preservado a Verdade intacta, não distorcida pelos sofismas humanos, pois, de acordo com a Palavra de Deus, a Igreja é a “coluna e firmamento da verdade" (I Tim. 3:15) e, portanto, nela não pode haver falsidade. Qualquer um que proclame oficialmente em seu nome ou confirme qualquer falsidade, já não é mais a Igreja. Não apenas os mais altos servidores da Igreja, mas mesmo os fiéis leigos devem evitar toda falsidade, lembrando a admoestação do Apóstolo: “... renunciando à mentira, fale cada um a seu próximo a verdade” (Ef. 4:25), ou “não mintais uns aos outros” (Col. 3:9). Os cristãos devem sempre lembrar que, segundo as palavras de Cristo Salvador, a mentira vem do diabo, que “é mentiroso e pai da mentira” (São João 8:44). Portanto, onde há falsidade, não há a Verdadeira Igreja Ortodoxa de Cristo! Em vez disso, existe uma falsa igreja que o santo contemplador descreveu de maneira clara e vívida em seu Apocalipse como uma “grande meretriz que está sentada sobre muitas águas, com a qual fornicaram os reis da terra” (Ap. 17:1-2).

Mesmo no Antigo Testamento, vemos nos profetas de Deus que a infidelidade ao Deus Verdadeiro era frequentemente representada pela imagem do adultério (veja, por exemplo, Ez. 16:8-58 ou 23:2-49). É aterrorizante para nós não apenas falar, mas até pensar, que em nossos dias insanos teríamos que testemunhar várias tentativas de transformar a própria Igreja de Cristo em um “bordel”. E não apenas no sentido figurado, mas também no sentido literal da palavra, pois quando

a autojustificativa é tão fácil, nem mesmo a fornicação nem toda impureza são consideradas pecados! Vimos um exemplo disso entre aqueles da chamada “Igreja Viva” e os “renovacionistas” em nossa infeliz pátria após a Revolução e também agora entre todos os “modernistas” contemporâneos que se esforçam em relaxar para si o jugo fácil de Cristo (São Mateus 11:30), traindo toda a estrutura ascética de nossa Santa Igreja e legalizando toda transgressão e impureza moral. Obviamente, falar aqui sobre a Ortodoxia não é apropriado de maneira alguma, apesar dos dogmas da Fé permanecerem intocados e ilesos!

A Ortodoxia é a única Verdade, a Verdade pura, sem qualquer mistura ou a menor sombra de falsidade, mentira, maldade ou fraude. A verdadeira Ortodoxia, por outro lado, desconhece qualquer formalismo frio. Não há nela uma observância cega à “letra da lei”, pois ela é “espírito e vida”. Se do ponto de vista externo e puramente formal tudo parece bem correto e estritamente legal, isso não significa que na realidade seja assim. Na Ortodoxia não pode haver lugar para a casuística jesuítica. A máxima favorita dos juristas mundanos “não se pode pisar na lei, deve-se contorná-la” não pode ser aplicada.A Ortodoxia é a única Verdade, a Verdade pura, sem qualquer mistura ou a menor sombra de falsidade, mentira, maldade ou fraude.

A coisa mais essencial na Ortodoxia é o esforço (podvig) da oração e do jejum que a Igreja enaltece particularmente na segunda semana da Grande Quaresma como a “espada maravilhosa” de dois gumes, com a qual golpeamos os inimigos de nossa salvação, o tenebroso poder demoníaco. É através deste podvig que nossa alma é iluminada com a luz divina portadora da graça, como ensina São Gregório Palamás, triunfantemente celebrado pela Santa Igreja no segundo domingo da Grande Quaresma. Glorificando sua memória sagrada, a Igreja chama esse maravilhoso hierarca de “o pregador da graça”, “o farol da Luz”, “o pregador da luz divina”, “um pilar imóvel da Igreja”.

O próprio Cristo Salvador enfatizou o grande significado do podvig de oração e jejum quando Seus discípulos se viram incapazes de expulsar demônios de um infeliz menino que estava possuído. Ele lhes disse claramente: “esta casta (de demônios) não se lança fora, senão mediante a oração e o jejum” (São Mateus 17:20). Interpretando esta passagem evangélica, nosso grande teólogo-asceta patrístico, o hierarca Teófano, o Recluso pergunta: “Podemos concluir que onde não há oração nem jejum, já existe um demônio?” E ele responde: “Podemos. Os demônios, ao entrarem em uma pessoa, nem sempre revelam sua entrada, mas se escondem, ensinando secretamente todo mal a seus hospedeiros e os ensinando a desviarem-se de todo bem. Essa pessoa pode estar convencida de que está fazendo tudo sozinha, enquanto está apenas cumprindo a vontade de seu inimigo. Tão logo começares a orar e a jejuar, o inimigo sairá imediatamente e esperará em outro lugar por uma oportunidade de retornar. E ele de fato retornará assim que a oração e o jejum forem abandonados” (Pensamentos para Cada Dia do Ano). 

A partir disso, pode-se chegar a uma clara conclusão: onde o jejum e a oração são desprezados, negligenciados ou completamente deixados de lado, então ali não haverá vestígio de Ortodoxia. Ali será o domínio dos demônios que tratam o homem sem dó como seu próprio brinquedo.

Eis, portanto, aonde leva todo o “modernismo” contemporâneo que exige “reformas” em nossa Igreja Ortodoxa! Todos esses livres pensadores liberais e seus lacaios, que se esforçam para menosprezar o significado da oração e do jejum, por mais que bradem e proclamem sua suposta fidelidade ao ensinamento dogmático de nossa Igreja Ortodoxa, não podem ser considerados realmente ortodoxos e se mostraram apóstatas da Ortodoxia.

Sempre nos lembraremos que por si só a Ortodoxia totalmente formal não tem objetivo se não tiver “espírito e vida” e o “espírito e vida” da Ortodoxia estão em primeiro lugar no podvig da oração e do jejum. Além disso, o jejum genuíno que a Igreja ensina é entendido neste caso como abstinência em todos os aspectos, e não apenas a recusa em provar alimentos não quaresmais. 

Sem podvig não há cristianismo verdadeiro, isto é, Ortodoxia. Veja o que Cristo, o Primeiro Asceta, diz claramente: “Se alguém me quer seguir, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me” (São Marcos 8:34). O verdadeiro cristão, o cristão ortodoxo, é apenas aquele que se esforça para imitar Cristo no carregamento da cruz e está preparado para crucificar-se em nome de Cristo.

Os santos apóstolos ensinaram isso claramente. Assim, o apóstolo Pedro escreve: “Se fazendo bem, sofreis com paciência, isto é que é agradável diante de Deus. Porque para isto é que vós fostes chamados, pois que Cristo também sofreu por nós, deixando-vos o exemplo, para que sigais as suas pisadas” (I Pedro 2:20-21). Exatamente da mesma maneira, o santo apóstolo Paulo diz repetidamente em suas epístolas que todos os verdadeiros cristãos devem ser ascetas, e o trabalho ascético do cristão consiste em crucificar a si mesmo por causa de Cristo:

Os cristãos crucificaram a sua própria carne com as paixões e concupiscências” (Gl. 5:24). Uma expressão favorita de São Paulo é que devemos ser crucificados com Cristo para que possamos ressuscitar com Ele. Ele apresenta esse pensamento em vários ditos em muitas de suas epístolas. Tu vês, portanto, que aquele que apenas ama passar o tempo se divertindo e não pensa em abnegação e sacrifício próprio, mas continuamente chafurda em todos os prazeres e deleites carnais possíveis é totalmente anti-ortodoxo, não cristão. A respeito disso, o grande asceta da antiguidade cristã, o santo venerável Isaac, o Sírio, bem ensinou: “O caminho de Deus é uma cruz diária.” Ninguém ascende ao céu vivendo friamente (ou seja, confortavelmente, despreocupado, satisfeito consigo mesmo, sem esforços), e sobre esse caminho frio, sabemos bem aonde ele termina”. Este é aquele “caminho largo e espaçoso” que, nas palavras do próprio Senhor, “leva à perdição” (São Mateus 7:13). 

 

Podvig é uma palavra russa que pode ser descrita, mas dificilmente traduzida. Como a semântica desse termo é ampla e de perfeito acordo com a teologia ortodoxa, é necessário que nós nos familiarizemos com ele. De maneira simples, podvig poderia ser descrito como o nosso combate espiritual contínuo (a palavra sugere um movimento de ascensão [espiritual] constante), quer seja envolvendo uma disciplina, uma regra, ou quer seja suportando voluntariamente uma luta ou esforços ascéticos.

 

Fonte: Orthodox Life, v. 26, n. 3 (maio-junho de 1976), pp. 1–5 

*Artigo e nota de rodapé  Enviado por Leitor Roman Ramirez

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Pároco da paróquia Axion Estin em Sorocaba e, responsável pela igreja GOC no Brasil, missionário da comunidade São João Maximovich em Curitiba e da Paroquia Nossa Senhora da Proteção na Pedreira -São Paulo SP.

"Sou um sacerdote ortodoxo e busco fiéis comprometidos com a Santa Fé, livres das heresias propagadas por aqueles que a desconhecem ou a deturpam intencionalmente. Como membro da Genuína Igreja Ortodoxa da Grécia, preservamos  fielmente a Santa Tradição e os Santos Cânones, incluindo as decisões dos Santos Concílios que anatematizam as alterações no calendário litúrgico. Seguimos a determinação do Concílio de Niceia sobre o Menaion e o Pascalion, bem como as resoluções dos Concílios Pan-Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848."

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