A UNIDADE INTERIOR DO TRIODION
- Paróquia Axion Estin
- 11 de fev.
- 8 min de leitura

O Triodion possui uma coerência e uma unidade interiores que não são imediatamente aparentes. Porque é que, por exemplo, São Teodoro Recruta é comemorado no sábado da primeira semana, os santos ícones no primeiro domingo e São Gregório Palamas no segundo? Que relação especial têm estas três celebrações com o jejum ascético da Quaresma? Consideremos brevemente o padrão que liga num único todo as diferentes comemorações durante as dez semanas do Triodion. Não entraremos em pormenores, mas procuraremos simplesmente indicar o lugar de cada observância na estrutura geral da Quaresma.
(1) O período pré-quaresmal. (a) O Domingo de Zaqueu
Uma semana antes da entrada do Triodion em uso, há uma leitura dominical do Evangelho que aponta diretamente para o jejum que se aproxima - Lucas 19, 1-10, que descreve como Zaqueu subiu a uma árvore ao lado da estrada por onde Cristo ia passar. Nesta leitura, notamos o sentimento de expectativa de Zaqueu, a intensidade do seu desejo de ver o Senhor, e aplicamo-lo a nós próprios. Se, ao prepararmo-nos para a Quaresma, houver uma verdadeira ânsia nos nossos corações, se tivermos um desejo intenso de uma visão mais clara de Cristo, então as nossas esperanças serão satisfeitas durante o jejum; de facto, receberemos, como Zaqueu, muito mais do que esperamos. Mas se não houver em nós uma grande expectativa e um desejo sincero, não veremos nem receberemos nada. Por isso, perguntamo-nos: Qual é o meu estado de espírito e a minha vontade quando me preparo para embarcar na jornada quaresmal?

(b) Domingo do Publicano e do Fariseu (leitura do Evangelho: Lucas 18, 10-14)
Neste domingo e nos dois seguintes, o tema é o arrependimento. O arrependimento é a porta pela qual entramos na Quaresma, o ponto de partida do nosso caminho para a Páscoa. E arrepender-se significa muito mais do que autocomiseração ou arrependimento fútil por coisas feitas no passado. O termo grego metanoia significa “mudança de mente”: arrependermo-nos é sermos renovados, sermos transformados no nosso ponto de vista interior, alcançarmos uma nova forma de olhar para a nossa relação com Deus e com os outros. O defeito do fariseu é não ter vontade de mudar a sua visão; é complacente, auto-satisfeito, e por isso não dá lugar a qualquer ação de Deus dentro dele. O publicano, pelo contrário, anseia verdadeiramente por uma “mudança de mentalidade”: está insatisfeito consigo mesmo, é “pobre de espírito”, e onde há esta insatisfação salvadora, há lugar para a ação de Deus. Se não aprendermos o segredo da pobreza interior do publicano, não participaremos da primavera quaresmal. O tema deste dia pode ser resumido numa frase dos Padres do Deserto: “Mais vale um homem que pecou, se sabe que pecou e se arrepende, do que um homem que não pecou e se julga justo”.

(c) Domingo do Filho Pródigo (leitura do Evangelho: Lucas 15,11-32)
A parábola do filho pródigo constitui um ícone exato do arrependimento nas suas diferentes fases. O pecado é o exílio, a escravatura a estrangeiros, a fome. O arrependimento é o regresso do exílio à nossa verdadeira casa, é receber de novo a nossa herança e a nossa liberdade na casa do Pai. Mas o arrependimento implica ação: Levantar-me-ei e irei...” (versículo 18). Arrepender-se não é apenas sentir-se insatisfeito, mas tomar uma decisão e pô-la em prática. Neste domingo e nos dois domingos seguintes, depois das palavras solenes e alegres do Polyeleos nas Matinas, acrescentamos os versos tristes do Salmo 136: “Junto às águas da Babilónia, sentamo-nos e choramos... Este salmo do exílio, cantado pelos filhos de Israel no seu cativeiro babilônico, tem uma especial oportunidade no Domingo do Pródigo, quando recordamos o nosso atual exílio no pecado e tomamos a resolução de regressar a casa.

(d) O Sábado dos mortos
No dia anterior ao domingo do Juízo Final, e em estreita ligação com o tema deste domingo, há uma comemoração universal dos mortos “de todos os tempos”. (Há outras comemorações dos defuntos no segundo, terceiro e quarto sábados da Quaresma). Antes de evocarmos a segunda vinda de Cristo nas cerimônias de domingo, encomendamos a Deus todos os que partiram antes de nós e que aguardam agora o Juízo Final. Nos textos deste sábado, há um forte sentido do vínculo contínuo de amor mútuo que une todos os membros da Igreja, vivos ou mortos. Para aqueles que acreditam em Cristo ressuscitado, a morte não constitui uma barreira intransponível, porque todos estão vivos n'Ele; os defuntos continuam a ser nossos irmãos, membros da mesma família que nós, e por isso temos consciência da necessidade de rezar insistentemente por eles.

(e) Domingo do Juízo Final (leitura do Evangelho: Mateus 25,31-46)
Os dois domingos anteriores falaram-nos da paciência e da compaixão sem limites de Deus, da sua disponibilidade para acolher todo o pecador que se volta para Ele. Neste terceiro domingo, somos poderosamente recordados de uma verdade complementar: ninguém é tão paciente e tão misericordioso como Deus, mas mesmo Ele não perdoa aqueles que não se arrependem. O Deus de amor é também um Deus de justiça, e quando Cristo voltar em glória, virá como nosso juiz: “Vede a bondade e a severidade de Deus” (Rom. 11,22). É esta a mensagem da Quaresma para cada um de nós: voltar atrás enquanto é tempo, arrependermo-nos antes que chegue o Fim. Nas palavras do Grande Cânone:
O fim aproxima-se, minha alma, o fim aproxima-se;
Mas tu não te preocupas nem te preparas.
O tempo escasseia, levanta-te: o Juiz está à porta.
Os dias da nossa vida passam rapidamente, como um sonho, como uma flor.
Este domingo coloca diante de nós a dimensão “escatológica” da Quaresma: o Grande Jejum é uma preparação para a Segunda Vinda do Salvador, para a Páscoa eterna do futuro. (Este é um tema que será abordado nos primeiros três dias da Semana Santa.) O julgamento também não está apenas no futuro. Aqui e agora, a cada dia e a cada hora, ao endurecermos o nosso coração para com os outros e ao não respondermos às oportunidades que nos são dadas para os ajudar, estamos já a julgar-nos a nós próprios.
(f) No sábado da semana que precede a Quaresma (“Semana do Queijo”)
Há uma comemoração geral de todos os santos ascetas da Igreja, homens e mulheres. Quando nos pomos a caminho do jejum quaresmal, lembramo-nos de que não viajamos sozinhos, mas como membros de uma família, apoiados pelas intercessões de muitos ajudantes invisíveis.
(g) O domingo antes da Quaresma
O último dos domingos preparatórios tem dois temas: comemora a expulsão de Adão do Paraíso e é também o domingo do perdão. Há razões óbvias para que estes dois aspectos sejam objeto da nossa atenção, no momento em que nos encontramos no limiar do Grande Jejum. Uma das principais imagens do Triodion é a do regresso ao Paraíso. A Quaresma é um tempo em que choramos com Adão e Eva diante da porta fechada do Éden, arrependendo-nos com eles dos pecados que nos privaram da nossa livre comunhão com Deus. Mas a Quaresma é também um tempo em que nos preparamos para celebrar o acontecimento salvador da morte e ressurreição de Cristo, que nos reabriu o Paraíso (Lucas 23,43). Assim, a tristeza pelo nosso exílio no pecado é temperada pela esperança da nossa reentrada no Paraíso:
Ó precioso Paraíso, insuperável em beleza,
Tabernáculo construído por Deus, alegria sem fim,
Glória dos justos, alegria dos profetas e morada dos santos,
Com o som das tuas folhas, reza ao Criador de tudo:
Que Ele me abra as portas que fechei com a minha transgressão,
E que Ele me considere digno de participar da Árvore da Vida
E da alegria que era minha quando antes habitava em Ti.
Note-se como o Triodion fala aqui não de “Adão” mas de “mim”: “Que Ele me abra as portas que se fecharam”. Aqui, como em todo o Triodion, os eventos da história sagrada não são tratados como acontecimentos num passado ou futuro distante, mas como experiências vividas por mim aqui e agora, dentro da dimensão do tempo sagrado. O segundo tema, o do perdão, é sublinhado na leitura do Evangelho deste domingo (Mateus 6,14-21) e na cerimônia especial do perdão mútuo no final das Vésperas de domingo à noite. Antes de entrarmos no jejum quaresmal, somos recordados de que não pode haver um verdadeiro jejum, um arrependimento genuíno, uma reconciliação com Deus, a não ser que estejamos ao mesmo tempo reconciliados uns com os outros. Um jejum sem amor mútuo é o jejum dos demônios. Como a comemoração dos santos ascetas no sábado anterior acaba de nos mostrar, não percorremos o caminho da Quaresma como indivíduos isolados, mas como membros de uma família. A nossa ascese e o nosso jejum não devem separar-nos dos nossos semelhantes, mas ligar-nos a eles com laços cada vez mais fortes. O asceta quaresmal é chamado a ser um homem para os outros.
(2) Os quarenta dias.
Os dois domingos precedentes, o do Juízo Final e o do Perdão, constituem, no seu conjunto, embora em ordem inversa, uma recapitulação de toda a história sagrada, desde o seu ponto de partida, Adão no Paraíso, até ao seu ponto de chegada, a segunda vinda de Cristo, quando todo o tempo e toda a história forem absorvidos pela eternidade. Durante os quarenta dias que agora se seguem, embora esta perspetiva mais ampla nunca seja esquecida, há uma concentração crescente no momento central da história sagrada, no acontecimento salvífico da Paixão e Ressurreição de Cristo, que torna possível o regresso do homem ao Paraíso e inaugura o Fim. A Quaresma é, deste ponto de vista, um caminho com uma direção precisa; é o caminho para a Páscoa. A meta do nosso caminho é concisamente expressa na oração final da Liturgia dos Pré-Santificados: “...cheguemos sem condenação à adoração da Santa Ressurreição”. Ao longo dos quarenta dias, somos recordados de que estamos em movimento, percorrendo um caminho que conduz diretamente ao Gólgota e ao Túmulo Vazio. É o que dizemos no início da primeira semana:
Ponhamo-nos a caminho com alegria...
Depois de termos atravessado o grande mar do jejum,
Cheguemos ao terceiro dia da Ressurreição de Nosso Senhor.
Apressemo-nos a chegar à Santa Ressurreição do terceiro dia...
Enquanto a nossa viagem prossegue, como viajantes, recordamos regularmente o caminho percorrido:
Ao começarmos o segundo dia...
Com alegria, iniciamos a segunda semana de jejum...
Ao iniciarmos a terceira semana do jejum, ó fieis,
Glorifiquemos a Santíssima Trindade,
E passemos com alegria o tempo que ainda nos resta...
Tecendo grinaldas para a rainha dos dias - o dia, isto é, da Ressurreição do Senhor. E assim continuamos:
Agora que passamos o ponto médio do tempo do jejum,
Apressemo-nos ansiosamente para o fim da nossa viagem...
Para que sejamos considerados dignos de venerar a divina Paixão de Cristo, nosso Deus,
E de alcançar a Sua temível e santa Ressurreição.
Durante cada semana da Quaresma, o nosso rosto dirige-se para o objetivo da nossa caminhada: a Páscoa sofrida e triunfante do Salvador. O caminho de quarenta dias da Quaresma recorda, em particular, os quarenta anos em que o povo eleito percorreu o deserto. Para nós, como para os filhos de Israel, a Quaresma é um tempo de peregrinação. É um tempo para a nossa libertação da escravidão do Egito, do domínio das paixões pecaminosas; um tempo para progredir pela fé através de um deserto estéril e sem água; um tempo para uma tranquilidade inesperada, quando, na nossa fome, somos alimentados com o maná do céu; um tempo em que Deus nos fala das trevas do Sinai; um tempo em que nos aproximamos da Terra Prometida, da nossa verdadeira casa no Paraíso, cuja porta Cristo crucificado e ressuscitado nos reabriu.
Tradução do TRIODION : Marina (Camila Tintel)





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